Consumidor tem maior dificuldade para fechar a compra e conseguir financiamento na entrega das chaves
Valor Econômico, Ana Luiza Tieghi
A alta de juros e os reajustes nos lançamentos, em apenas um ano, limitaram significativamente o poder de compra de quem busca um imóvel novo. O consumidor tem seu poder de compra afetado duplamente: ele consegue financiar menos de um imóvel mais caro. O resultado é que os distratos, fantasma do setor na crise da década passada, ressurgem no cenário.
Um financiamento imobiliário, na modalidade da tabela SAC, que se iniciasse com uma parcela de R$ 5 mil, em maio deste ano, poderia conseguir crédito de R$ 481,6 mil, suficiente para compor a compra de uma casa ou apartamento de R$ 602 mil, com 20% de entrada. Há um ano, esse valor era de R$ 733 mil, segundo simulação feita pela assessoria digital Kzas Krédito.
Na outra ponta, em 2021, o preço médio da unidade lançada em São Paulo foi de R$ 525,4 mil, em valores atualizados, de acordo com o Secovi-SP. Já até abril deste ano, a média é de R$ 545,3 mil.
Essa situação já é visível no dia a dia das incorporadoras, que, do seu lado, estão aumentando o valor dos apartamentos por causa da inflação, que tornou a construção mais cara.
Carlos Borges, CEO da Tarjab, afirma que há uma dificuldade maior dos clientes em conseguir comprovar a renda necessária para a compra das unidades, o que também é sentido pela Conx, de acordo com o diretor de incorporação da empresa, Marcio Luz Buk. “O cliente ainda está digerindo os novos valores, percebemos uma migração para regiões mais baratas e, para quem não quer mudar o local, sentimos que o tempo de tomada de decisão aumentou.”
Além de dificultar novas vendas, o financiamento mais caro pode atingir quem está prestes a pegar a chave do seu imóvel. O saldo devedor do financiamento é atualizado pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Desde o início de 2020, por exemplo, a alta acumulada no indicador é de 26,96%, o que passa a sensação de “enxugar gelo” para quem já pagou até um terço do imóvel como entrada e se depara com o mesmo valor inicial ainda a ser financiado.
Nem todo comprador teve sua renda atualizada no mesmo ritmo dos aumentos dos preços e dos juros, o que pode inviabilizar o financiamento e levar a distratos. Borges diz já perceber um aumento nessas ocorrências, apesar de elas ainda não terem atingido um ponto de atenção.
Rodrigo Mauro, diretor-geral da REM, que atua no médio-alto padrão e entregou 300 unidades no início de fevereiro, afirma que não registrou aumento nos distratos, mas aponta para o valor dos imóveis como um motivo para isso.
Vendidos a cerca de R$ 1,1 milhão, eles exigem renda mínima de pelo menos R$ 30 mil mensais, ou seja, abarcam uma parcela da população menos afetada pela inflação e aumento de juros. Porém, caso as taxas continuem subindo, assim como o preço das unidades, esse público também pode ser atingido. “Temos mais três empreendimentos para entregar, não sei como vai estar no fim do ano.”
A saída adotada pelas incorporadoras é tentar ajudar o cliente a conseguir o financiamento ou a não precisar recorrer ao distrato, renegociando pagamentos e incentivando a troca por um imóvel de valor menor. Internamente, elas procuram melhorar a eficiência operacional e fazer projetos em locais que atraiam um público com renda mais elevada.
Apesar de todos esses impactos no setor, Roberto Nascimento, um dos fundadores da Kzas Krédito, ressalta que a evolução da taxa de juros do financiamento imobiliário não segue o mesmo ritmo do aumento da taxa Selic.
Em agosto de 2020, quando a taxa básica de juros atingiu seu valor mínimo, de 2% ao ano, a taxa média do financiamento imobiliário estava em 7,64% ao ano. De lá pra cá, a Selic se elevou para 12,75% ao ano, mas o crédito imobiliário custa, em média, 9,53% ao ano, de acordo com o levantamento da assessoria.
“A taxa de financiamento variou 25% enquanto a Selic aumentou seis vezes”, diz. Para ele, isso prova que, diante do atual cenário, essa modalidade de financiamento não está cara.
A causa desse comportamento é a origem do recurso do crédito imobiliário, a poupança, que possui trava para a rentabilidade e não se encarece na mesma medida que outros fundos. No entanto, essa é a mesma explicação para a queda no saldo da poupança SBPE, destinada para habitação, que se reduziu 1,7% em abril, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Ela deixou de ser atrativa para os poupadores.
“Com isso, o banco que não tem tanta disponibilidade para emprestar ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), tem que tentar compor esse dinheiro de outra forma e acaba aumentando o valor do financiamento”, diz.
A atratividade do financiamento não está pior porque a Caixa Econômica Federal, hoje o maior provedor desse crédito, está mantendo sua taxa de juros com valor mínimo de 8% ao ano, mais TR. “O Pedro Guimarães [presidente da Caixa] está sendo agressivo no crédito imobiliário, a Caixa puxa para baixo os outros bancos”, afirma Nascimento.
Matéria publicada originalmente jornal Valor Econômico – Empresas – SP – Capa e B1