O desafio para o setor imobiliário é que os recursos via gestoras de fundos de investimento imobiliário (FIIs) são mais caros
Por Valor Econômico, Ana Luiza Tieghi
A alta taxa de juros não atrapalha apenas a indústria e o varejo. Incorporadoras relatam maior restrição dos bancos na oferta do financiamento para as obras, o Plano Empresário, e isso tem chamado a atenção de gestoras que se posicionam como alternativas.
A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) aponta que o valor financiado para construção se manteve estável nos quatro primeiros meses do ano, ante igual período de 2022, mas as unidades financiadas caíram 26,7%.
O crédito via gestoras de fundos de investimento imobiliário (FIIs) é mais caro. Enquanto bancos já cobraram TR + 5% ao ano, e hoje ficam em torno de TR + 10%, essas empresas cobram cerca de CDI + 6%, o que pode inviabilizar projetos e contribuir para a retração do setor – dado da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) mostra recuo de 30% nos lançamentos no primeiro trimestre.
“Aí é que entra a decisão de empreender ou não. O custo de obra subiu, e fazer por fazer não faz sentido”, diz Carlos Borges, presidente da incorporadora Tarjab, que atua no médio padrão.
Há momentos em que a empresa precisar girar seus terrenos, que têm custo de carrego, e vale recorrer ao mercado de capitais. A Tarjab fez seu último lançamento em novembro e planeja ter três até o fim do ano.
“Estamos sendo muito cuidadosos, o mercado está menos líquido para contrair financiamento”, diz Arthur Marin, vice-presidente de operações da Viver, incorporadora de capital aberto que saiu de uma recuperação judicial em 2021.
As instituições financeiras olham vários pontos antes de ofertarem o crédito, como o preço do terreno e sua localização, quem comprou as unidades e o histórico da incorporadora. “Muita gente não tem mais crédito. Por exemplo, se o banco te emprestou para cinco obras e você ainda está pagando, não vai emprestar enquanto não forem quitadas”, diz Felipe Antunes, CEO da incorporadora Next Realty, que tem projetos financiados pelo Bradesco.
Ricardo Picinini, CEO da Viver, afirma que os bancos, além de estarem restritivos com os projetos, estão cobrando mais pelo crédito porque usam funding mais caro, deixando recursos da poupança, que originalmente iriam para esse financiamento, só para a pessoa física. As incorporadoras precisam ter projetos com margens maiores para fazer frente à medida.
O Santander, por exemplo, faz isso há dois anos, diz Sandro Gamba, diretor de negócios imobiliários do banco. “Tem outras linhas de funding para financiar pessoa jurídica, como Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra Imobiliária Garantida (LIG)”, afirma. Ele diz não ver restrição à oferta de crédito para empresas na instituição.
A Cartesia é uma das gestoras que emprestam para a produção imobiliária residencial. O sócio Leonardo Rigobello conta que atende de incorporadoras que estão começando a empresas de capital aberto, como a Viver.
A Cartesia iniciou a captação de até R$ 250 milhões para investir em residenciais, por meio do seu fundo CACR11, o que irá mais do que dobrar seu patrimônio. “Decidimos acelerar porque o mercado de crédito imobiliário começou o ano mais restrito”, diz Rigobello.
Ele explica que, hoje, consegue encontrar bons projetos em cidades que tinham oferta maior de crédito, como em São Paulo. A taxa média da gestora é de CDI + 7% ou IPCA + 13% ao ano. “Em São Paulo é difícil operar nesse nível, mas com o mercado mais restrito, conseguimos encontrar operações”, afirma.
A expectativa da Cartesia é elevar seu portfólio de nove para 20 prédios. A empresa atua principalmente no médio padrão, mas também em outros segmentos.
Na gestora RBR, o alto padrão é uma preferência, segundo o sócio Guilherme Antunes. A gestora trabalha com taxa de CDI+ 3% a CDI + 6% ao ano, ou IPCA + 8% ao ano. Na empresa, o valor investido em operações de financiamento ao desenvolvimento de projetos residenciais saltou de R$ 220 milhões nos cinco primeiros meses de 2020 para R$ 370 milhões de janeiro a maio deste ano.
Ele diz haver procura maior por parte de incorporadoras que antes pegariam crédito com os bancos, como as de capital aberto, com as quais a RBR está em conversas.
Mas a combinação de juros altos com vendas e lançamentos em queda demanda atenção. Não são só os bancos que analisam com cautela para quem emprestar. “Desde o fim do ano passado, aumentamos o monitoramento da carteira”, diz Antunes, para evitar inadimplência. Ele afirma que a empresa não registrou casos, mas que outras gestoras já o tiveram.
As gestoras defendem também que possuem vantagens sobre o financiamento bancário. Rigobello destaca que a Cartesia acompanha a obra, como “babá do incorporador”, o que ajuda a reduzir problemas. Antunes pontua que a RBR financia até 70% do investimento em um empreendimento, parcela que seria de 20% a 40% maior do que bancos costumam fazer.
Para Cláudio Carvalho, sócio da incorporadora AW Realty, a maior restrição ao crédito está acabando, com a perspectiva de início da queda da Selic e o fim da transição de governo. “Tinha uma seleção natural de projetos, agora vem um crédito mais saudável e apropriado para o setor, para poder voltar a lançar, com responsabilidade.”
Matéria Publicada originalmente no jornal Valor Econômico – Empresas – SP – B1; Valor Online e Valor Investe